Escrever: um caminhar à liberdade
Era uma tarde de segunda-feira qualquer. Eu estava sentada fazendo minhas lições de casa, entre elas, a de Literatura. A escola literária a ser estudada naquele bimestre era o Modernismo, que, sinceramente, nunca havia sido uma de minhas preferidas. Meu gosto literário era, no mínimo, peculiar: não havia nada que me fascinasse mais do que o ultrarromantismo de Byron e Musset. Contudo, enquanto fazia minha lição, lembro-me de me sentir atraída por um trecho de um texto de Clarice Lispector, que dizia, em A descoberta do mundo: “(…) nasci para escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo”. Naquele momento, senti que nenhum poeta ultrarromântico, fosse este Álvares de Azevedo ou até mesmo Casimiro de Abreu, poderia causar tamanho impacto em mim quanto causara a modernista Lispector. Afinal, naquele momento, a literatura atingiu o ápice de sua realização: ela dialogou com o seu leitor.
Embora não tenha sido um daqueles momentos de “transcendência”, como nos contos rosianos de Sagarana, não posso negar que, após refletir sobre o excerto que havia lido, o ato de escrever mostrou-se mais complexo do que eu imaginava. Eu costumava ouvir de meus professores: “Escrever bem é difícil, contudo, necessário”. Mas eu não entendia muito bem. Por que, afinal, escrever bem é tão importante? O que seria, de fato, tão difícil escrever? Uma dissertação sobre a persistência da violência contra a mulher? Uma resenha crítica de uma fábula de La Fontaine? Ou, quem sabe, uma crônica capaz de tratar de um tema tão relevante como os Direitos Humanos? Bom, são perguntas demasiadamente relativas, o que me impede de responder a elas sem cair em generalizações. Entretanto, são questionamentos que me fizeram, por fim, chegar a uma dúvida maior: o que é escrever?
Diferentemente do que é para muitos jovens, a escrita sempre teve um valor identitário para mim, de modo que eu dificilmente poderia falar sobre mim mesma sem citar o meu amor pela escrita. Dessa forma, o ato de escrever sempre foi como uma aventura – imperdível e inigualável – em que eu me sentia como uma divindade, capaz de dar vida a tudo por meio de singelas palavras. É apenas escrevendo que eu tenho permissão para me perder, ao passo que enfrento as diversas faces do mesmo eu.
No entanto, não posso negar: foi na ausência da fala que o que viria a se tornar um fascínio pôde se manifestar. Nunca vi na fala uma maneira concisa, clara e, consequentemente, eficiente de expressar ideias ou sentimentos. A meu ver, tudo não passava de um jogo de retórica que beirava ao sofismo. Embora hoje eu pense um pouco diferente, ver na escrita uma maneira de expor ao mundo as minhas emoções e os meus conflitos foi crucial para que eu pudesse, aos poucos, desenvolver tal habilidade. Afinal, tenho de concordar com Lispector: escrever é libertador. É assim que o indivíduo se desprende das amarras de uma realidade doentia e fatigante e torna-se o verdadeiro protagonista de sua história.
A questão é: atualmente, o que vemos é um grande número de estudantes que consideram que a capacidade de escrever bem tem como única finalidade o vestibular. Assim, o resultado são alunos que crescem aceitando a escrita como uma mera obrigação escolar. Tudo isso acaba contribuindo para tornar o ato de escrever, por vezes, traumatizante. Felizmente, o ensino de redação que tive no Colégio Pentágono foge à regra. Ano a ano, os temas e os gêneros discursivos evoluíam, tornavam-se mais complexos e profundos, entretanto, o lema continuava o mesmo: escrevam para a vida, não para o vestibular. Assim, tanto eu quanto meus colegas passávamos a encarar a escrita não como uma prática restrita aos estudantes ou àqueles que dominam a norma culta. A escrita passava a se comportar, na verdade, como uma das mais belas manifestações de nossa essência.
Tamanha é a importância dada à escrita que, anualmente, temos, no nosso Colégio, o Concurso de Redação. Um momento em que alunos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio têm a oportunidade para, enfim, se sentirem como Lispector: livres para escrever e, assim, desvelar a experiência imperdível de viver. Talvez o fato de tal sentimento me acompanhar desde cedo tenha contribuído para que, este ano, eu pudesse me consagrar vencedora do Concurso de Redação. Contudo, acredito que um dos fatores decisivos não só para a minha vitória neste concurso – como também para todos os textos que tenho produzido desde que entrei no Ensino Médio do Pentágono – não foi a fidelidade às regras gramaticais, nem tampouco um domínio majestoso da norma culta. Na realidade, escrever vai muito além das regras impostas por sistemas didáticos ou teóricos. Escrever é ter a chance de provar ao mundo que ser livre é arriscar-se, permitindo, assim, que as palavras o guiem. A escrita não se resume, unicamente, às obras literárias ou científicas de autores consagrados. Na verdade, bem-aventurados são aqueles que escrevem, apenas e tão somente, pelo prazer de escrever. São os que ousam transgredir regras e convenções, pois entendem que a escrita é uma arte e, portanto, é a maneira mais bela de manifestarmos a nossa essência como seres curiosos, criativos e com um infinito poder de abstração.
Assim, faço jus, novamente, ao trecho de Clarice Lispector, pois admito que, embora eu viva sob dúvidas e incertezas que muito provavelmente me acompanharão para o resto de minha vida, algo é certo: “nasci para escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo”.
Amani Musstafa Zoghbi
Aluna da 2ª série do Ensino Médio do Colégio Pentágono